Páginas

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Dia de Saci? ...



Sinto-me seriamente ofendido com a burrice eqüina de vocês em ter de explicar isso, mas:

1) Halloween NÃO é americano, suas antas, é celta. Pra piorar, é uma tradição do séc. III, quando o cristianismo ainda lutava para conseguir ser uma religião menos destinada aos leões no Império Romano. 

2) A data marca um mês e uma semana depois do equinócio, quando se festejava a última colhida "cheia" antes das plantações mais duras que já viam o inverno no horizonte – ou seja, o último período de mesa farta antes do solstício de inverno, que marca o natal antes mesmo de alguém ter ouvido falar em JC. Uma data cultural bastante comum em trocentos povos que vivem de agricultura (os antigos hebreus, que viviam de pastoreio, não eram manjavam desses paranauês).

3) A festa marcava o ano novo celta, o Samhain (fim do verão), que segue o calendário lunar, e não o solar como o nosso (aliás, passou da hora de vocês exigirem a volta do calendário lunar, muito melhor para marcar viagens, para você ganhar todo mês sem precisar trabalhar um dia a mais se for de 31 dias dentre inúmeras outras vantagens – vamos nos preocupar com revoluções que importam?). Por acaso marcar estações e colheitas tem alguma coisa a ver com imperialismo americano?

4) Sendo uma data de colheita e cultivo ("cultura" vem daí, crianças), é uma data sagrada por definição (passe fome por 12 horas para entender como surgem as culturas), afinal, lida com alimentação, algo vital. Mas também é uma data secular obrigatoriamente, por não ser uma festa de uma religião específica – aliás, festas que comemoram datas ligadas à plantação, como as cerca de 43.681.379 religiões que comemoram equinócios e solstícios, não podem exigir lá muita propriedade intelectual.

5) Além disso, não tem nada a ver com a América (abençoada terra da liberdade) ou o "imperialismo yankee". Em verdade, se você quer ser contra a cultura judaico-cristã-sionista-republicana-imperialista-capitalista-conservadora, deveria cultivar o Halloween muito fortemente: a Igreja Católica inventou que era "o dia das bruxas" justamente por ser uma festividade inicialmente pagã, quando, entre os dias 30 e 2, se celebrava a junção do céu e da terra, se lembrava dos mortos (ahn, ahn?) e se trazia um pouco da felicidade de Annwyn, o mundo dos mortos sem dor e sem sofrimento, ao contrário deste vale de lágrimas. Já viram A Noiva Cadáver? Percebam como o mundo dos mortos é extremamente alegre e divertido, ao contrário do sisudo e tuberculoso mundo dos vivos.

5) Se você é cristão, também não há motivo para pânico: em nenhum lugar o sincretismo religioso entre o cristianismo e as antigas religiões primordiais ficou tão claro quanto nas Ilhas Britânicas e no contato dos cristãos com os celtas (eles até utilizavam cruzes antes do advento do cristianismo). Will Durant bem disse que fica difícil saber quanto o cristianismo converteu estes povos e quanto por eles foi convertido. Tanto é que trocaram o culto a "todos os deuses" (panteon) pelo "dia de todos os santos" EXATAMENTE no meio da festividade do Samhain (que ia do dia 30 ao dia 2). A véspera deste dia é que ficou com nome famoso: All Hallow's Eve > Hallow's Eve > Halloween. No entanto, até o dia de finados continuou seguindo a tradição pagã, mas com nome cristão.

6) Em verdade, o druidismo dos celtas já não existia sequer no século II d. C. Todo mundo ficou amigo sem precisar de tanta violência (na verdade ali foi onde rolou guerra sem fim por milênios a fio, mas vocês pegaram a idéia). Vamos todos celebrar juntos. Exceto as wiccas, óbvio. Essa religiãozinha new age não tem nada a ver com os celtas, quase tudo no que ela se baseia são, justamente, lendas cristãs a respeito dos pagãos, a maior parte delas de literatura vagabunda do séc. XIX. É como fazer uma religião hoje baseada nos rituais satânicos que o R. R. Soares descreve e querer se levar a sério.

7) Se você quer trocar o Halloween pelo dia do saci, aquele "bem brasileiro", é bom saber que as tribos que habitavam esse país continental se odiavam, viviam em guerras umas com as outras, não falavam línguas sequer parecidas e chegavam a ser canibais com os inimigos (como os tupinambás). Na verdade, NÓS é que chamamos tudo de "índio" (ou guarani-kaiowá) como se fossem todos irmãos na floresta. Aliás, sabiam que a tribo "ianomâmi" é invenção nossa, nunca existiu, fomos nós, imperialistas brancos classe média burguesa metida a antropóloga, que inventamos um lugar onde eles "habitavam"? Pois é, agora nesse continente de tribos rivais, sabe quantas acreditavam em "saci"? Não deve ser um contingente maior do que a população de Sergipe.


9) Se a data do Natal foi tomada de empréstimo de várias (VÁRIAS) religiões antigas, ela tomou uma simbologia própria dentro do cristianismo. Já o Halloween, como o próprio nome indica, não: é uma festa pra todos, for all, agregadora e capaz até de unir vivos e mortos. É justamente contra ESSA data que vocês vão fazer chororô anti-imperialista, e dizer que VOCÊS é que são tolerantes, multiculturais e sabem conviver com as diferenças? 

10) Pior, sabe como descobrir tudo isso que eu disse? Basta pegar o seu MacBook™, digitar no Google™ por "Halloween" (e algumas outras paradas a mais), cair na Wikipedia™ e ler o que tá escrito. E vocês querem concorrer com essa cultura com ™ maiúsculo com um mimimi proto-nacionalista de Aldo Rebelo? Viva o Halloween e viva o Texas! \m/

Nenhum comentário:

Postar um comentário