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quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

o Sistema Nacional de Cadastro, Vigilância e Acompanhamento da Gestante e Puérpera para a Prevenção da Mortalidade Materna, instituído por Medida Provisória


Julio Severo e Dr. Zenóbio Fonseca, professor de direito e assessor legislativo
Todos os sistemas públicos e privados de saúde serão obrigados, por norma compulsória, a identificar e cadastrar todas as mulheres grávidas no Brasil, conforme o Sistema Nacional de Cadastro, Vigilância e Acompanhamento da Gestante e Puérpera para a Prevenção da Mortalidade Materna, instituído pela Medida Provisória nº 557/11 do governo de Dilma Rousseff em 26/12/11.
À primeira vista, a ação do governo federal até parece preocupação com as mulheres, com sua pretensão de cuidar das gestantes em situação de risco, impondo o exame pré-natal e concedendo um auxílio de até R$ 50 para o pré-natal e o acompanhamento pós-parto. As mulheres mais pobres vão pular de alegria com a generosidade estatal.
O governo alega que está obrigando todas as instituições de saúde do Brasil a registrar TODAS as mulheres apenas para saber quais as mulheres que estão em situação de risco.
Entretanto, o que é de chamar a atenção é: qual a razão do governo apresentar uma Medida Provisória em caráter de urgência, bem no dia 26 de dezembro, quando toda a população do Brasil, inclusive os parlamentares, estava totalmente distraída com o Natal? Qual o motivo do governo querer compulsoriamente cadastrar todas as gestantes com o pretexto de ajudar a gravidez se a política partidária e ideológica do PT é no sentido de legalizar o aborto no Brasil?
Essa Medida Provisória foi elaborada por um governo repleto de feministas que alegam que a legalização do aborto fortalece os direitos humanos das mulheres, que tratam o aborto como mero “direito de escolha” nos casos de gravidez comum, ou seja, abortar (matar) o bebê “simplesmente” porque a mulher deveria ter a liberdade de decidir se continua ou não uma gravidez.
É assombroso que a Medida Provisória, que já está em vigor, tem como foco o controle compulsório de todas as mulheres grávidas do Brasil, como questão de saúde pública, mas silencia totalmente na questão do bebê em gestação e seu valor e proteção.
O artigo 3º, inciso V, aponta que o foco é somente a mulher e não o bebê:
 “V - estabelecer políticas, programas e ações com o objetivo de aprimorar a atenção à saúde das gestantes e puérperas de risco.”
O artigo 7º, inciso IV e VI, estabelece medidas para evitar novas ocorrências de morte nas mulheres, mas exclui totalmente os bebês em gestação. Ué? Bebês em gestação também não morrem? Qual então é a pretensão do governo? Estabelecer e fortalecer um sistema obrigatório para preparar as mulheres para interromper a gravidez em determinados casos? Implementar a eugenia? Veja:
“IV - informar, em sistema informatizado, a ocorrência de óbitos de mulheres gestantes ou puérperas, com informações sobre a investigação das causas do óbito e das medidas a serem tomadas para evitar novas ocorrências;
“VI - propor aos gestores federal, estaduais, distrital e municipais do SUS a adoção de medidas necessárias para garantir o acesso e qualificar a atenção à saúde das gestantes e puérperas, e para prevenir o óbito materno”.
O fato mais preocupante é que a Medida Provisória limita a garantia individual de liberdade da mulher ao obrigá-la compulsoriamente a cadastrar-se em sistema de controle e vigilância pelo simples fato de estar grávida, mesmo que tenha todas as condições econômicas equilibradas, pague o seu próprio plano de saúde, esteja saudável e não precise do Estado para nada. A Medida Provisória deixa as mulheres grávidas à mercê do controle e intrusão estatal.
Tirar a liberdade dos cidadãos não é prática de governos democráticos. É prática de governos autoritários.
No Brasil agora, basta à mulher estar grávida e o Estado passará, cedo ou tarde, a controlar o fruto de seu ventre compulsoriamente, independente das escolhas dela. Com tal controle, será fácil o governo brasileiro impor o número de filhos que as mulheres poderão ter e exigir um controle da natalidade forçado, conforme a ONU exigir. Afinal, o sistema de cadastramento compulsório das mulheres grávidas do Brasil está sendo estabelecido para atender às exigências da ONU.
Com o tempo, o que o governo fará para regulamentar seu controle sobre as mulheres grávidas? O que será dos bebês em gestação e sua proteção? Se o governo decidir que a gestação de um bebê com síndrome de Down é uma gravidez de risco e a mãe decidir prosseguir, o que o governo fará? Se a mãe tiver algum problema de saúde, porém decidir prosseguir sua gravidez, o que o governo fará? Quais as pressões “médicas” que as mulheres sofrerão dentro do sistema compulsório de acompanhamento pré-natal estatal?
Esta Medida Provisória, por tirar a liberdade das mães e por omitir completamente a proteção dos bebês em gestação, precisa ser denunciada.
A perfeita preocupação às mães envolve garantir sua plena liberdade e proteção e a proteção da vida desde a concepção.
Versão em inglês deste artigo: Brazilian government wants pregnant women monitored

Mídia Sem Máscara - O profeta Tocqueville

Mídia Sem Máscara - O profeta Tocqueville

Chamberlin

O número alarmante de previsões suas que se tornaram realidade não é resultado de acidente, sortuda adivinhação ou intuição inspirada. É uma conseqüência natural de uma mente poderosa e criativa, ampliada por vasta erudição e um entendimento sensível da natureza do homem e da sociedade, projetando as lições do passado e do presente para iluminar o futuro.


O dom de prever em um século o formato político, econômico e social do século seguinte é dado com bastante frugalidade. Todavia, uma gritante exceção a essa regra é Alexis de Tocqueville [1], o cientista político francês liberal-conservador. Sua “Democracia na América”, publicada após uma longa viagem pelos Estados Unidos nos anos 1830, é importante tanto por sua visão presciente sobre alguns dos problemas futuros da América e do mundo ocidental quanto por seus afiados insights sobre a América tal qual era no tempo de Andrew Jackson [2].

Ele próprio um aristocrata, Tocqueville via na democracia uma tendência do futuro. Ele notou que o sol dos monarcas absolutos e das nobrezas privilegiadas estava se pondo. O prospecto do triunfo da democracia não lhe inspirava nem entusiasmo desqualificado, nem fanática repulsa. Pois a democracia, como ele a via, seria boa ou ruim na medida em que oferecesse salvaguardas necessárias à liberdade individual. Em um tempo quando a maior parte dos membros de sua classe se referiam à democracia como anarquia iminente e a queda de toda autoridade legítima, Tocqueville anteviu que o real perigo a ser antecipado por um governo democrático não era excesso de fraqueza, mas de força, capacidade de esmagar, dobrar ou enfraquecer a vontade de liberdade do indivíduo. Pertence a Alexis de Tocqueville o crédito, em uma era de monarquia hereditária e economia laissez-faire, de apreender a possibilidade do Estado totalitário e da sociedade de bem-estar. Era no colapso ou desaparecimento das formas tradicionais de autoridade sem a ascensão de sociedades livres solidamente alicerçadas que se encontram as principais causas do surgimento de Lenins e Stalins, Hitleres e Mussolinis. Eis a premonição de Tocqueville sobre esse perigo:

Em nossos dias, quando todas as posições são mais e mais confundidas, quando o indivíduo desaparece na multidão, e se perde facilmente em meio a uma obscuridade comum, quando a honra da monarquia quase perdeu seu império sem ser sucedida pela virtude pública, e quando nada permite ao homem ascender a si mesmo, quem poderá dizer a que ponto as exigências do poder e a servidão da fraqueza interromper-se-ão? [...]

Os anais da França não fornecem nada análogo à condição em que esse país pode ser lançado. Mas isso pode ser melhor assimilado aos tempos antigos, e àquelas hediondas eras de opressão romana, quando os costumes do povo foram corrompidos, suas tradições obliteradas, seus hábitos destruídos, suas opiniões estremecidas, e a liberdade, expulsa das leis, não pôde encontrar refúgio na terra; quando nada protegia os cidadãos e os cidadãos não mais se protegiam a si mesmos; quando a natureza humana era o esporte do homem, e príncipes exauriam a clemência dos Céus antes de esgotar a paciência de seus subalternos. [3]

Não é essa uma excelente previsão da condição dos russos sob Stalin, dos alemães sob Hitler, quando a tirania do ditador plebeu chegou a maiores proporções do que a dos mais reis e imperadores mais opressores, ainda sujeitos a alguma limitação da religião e da opinião pública, que governaram no passado?

Em uma de suas passagens mais eloqüentes e prescientes, Tocqueville imagina o povo sendo seduzido, não coagido, a abandonar o exercício de seus direitos de livre vontade e livre julgamento. Levantando a questão de como o despotismo pode aparecer em um mundo sob novas formas, ele enxerga uma vasta multidão, igual em status e alienada, cada um concentrado na busca por pequenos prazeres. Então, avançando até um crescendo de visão profética, escreve:

Acima da raça humana paira um poder imenso e tutelar, que toma apenas para si o poder de assegurar suas gratificações e cuidar de seu destino. Esse poder é absoluto, ágil, regular, providente e gentil. Seria como a autoridade de um pai se, como essa autoridade, seu objeto fosse preparar os homens para a maturidade; mas ele procura, ao contrário, mantê-los em infância perpétua. É bem esperado que o povo deva alegrar-se, tendo em vista que não pensam em nada além de se alegrar. Por sua felicidade tal governo trabalha de bom grado, mas ele escolhe ser o único agente e árbitro dessa felicidade. Ele provê sua segurança, prevê e supre suas necessidades, facilita seus prazeres, dirige sua indústria, regula a derivação de propriedade e subdivide suas heranças – o que resta além de livrá-los da preocupação de pensar e do problema de viver?

A vontade do homem não é quebrada, mas enfraquecida, dobrada e guiada; os homens raramente são forçados a agir, mas são constantemente restringidos de fazê-lo. Tal poder não destrói, mas previne a existência. Ele não tiraniza, mas comprime, enerva, extingue e estupidifica um povo, até que cada nação seja reduzida a ser nada mais que um rebanho de tímidos e diligentes animais, dos quais o governo é o pastor.

Sempre imaginei que a servidão do tipo regular, quieto e gentil que acabei de descrever poderia ser combinada mais facilmente do que se imagina com algumas das formas externas de liberdade; e que isso pode até mesmo se estabelecer sob as asas da soberania do povo. [4]

Quando Tocqueville escreveu seu trabalho clássico, Londres e Paris, ao observador comum, pareciam mais próximas do eixo da política mundial do que Washington e São Petersburgo. Os Estados Unidos, sob a Doutrina Monroe [5], renunciaram a quaisquer preocupações com rixas e alianças européias enquanto punham um sinal de “Não Ultrapasse” (sem marinha alguma como apoio) no continente americano contra as possíveis intenções predatórias dos poderes colonialistas europeus. A jovem República escassamente figurava nos cálculos diplomáticos e militares da Europa.

Quanto à Rússia, era um grande poder que compartilhou com a Inglaterra a façanha da queda de Napoleão. Mas era apenas um de tais poderes, sendo os outros a Grã-Bretanha, França, Prússia e Áustria. Fora domainstream da cultura européia, o Império dos Czares não era considerado uma ameaça que justificasse uma aliança geral dos outros poderes europeus com o propósito de impor limites a seus desígnios agressivos. Vinte anos depois, a Grã-Bretanha e a França estavam para lançar uma invasão à Rússia pela península da Criméia, um empreendimento que seria fantasticamente inimaginável para esses dois poderes hoje. Mas Tocqueville falou o que é talvez sua profecia mais conhecida, e aquela que foi mais conspicuamente defendida depois da Segunda Guerra Mundial:

Há, no tempo presente, duas grandes nações no mundo que parecem tender ao mesmo fim, ainda que tenham começado em pontos diferentes. Aludo aos russos e aos americanos. Ambos têm crescido sem se fazer notar e, enquanto a atenção da humanidade estava direcionada para outros lugares, eles assumiram subitamente um lugar mais proeminente dentre as nações; e o mundo conheceu sua existência e sua grandeza quase ao mesmo tempo.

Todas as outras nações parecem ter alcançado seus limites naturais, e apenas para custearem a manutenção de seus poderes; mas essas ainda estão a crescer. Todas as outras pararam, ou continuam a avançar com extrema dificuldade; essas estão procedendo com facilidade e celeridade através de um caminho no qual o olho humano não pode enxergar fim. Os americanos lutam contra os obstáculos naturais que se lhes opõem; os adversários dos russos são os homens. Aqueles combatem a natureza e a vida selvagem; estes, a civilização, com todas as suas armas e artes; as conquistas de um são, portanto, ganhas pelo fio do arado; do outro, pelo da espada.

O anglo-americano se firma no interesse pessoal para conquistar seus fins, e confere livre alcance para os esforços não-guiados e o senso-comum dos cidadãos; o russo centra toda a autoridade da sociedade num único braço; o principal instrumento daquele é a liberdade, e deste, a servidão. Seus pontos de partida são distintos e seus cursos não são os mesmos; todavia, cada um deles parece ter sido marcado pela vontade dos céus para guiar os destinos de metade do globo.
[6]

Essa chocante profecia segue duas outras observações judiciosas: que chegará um tempo quando 150 milhões de homens viverão na América do Norte e que produtos de intercâmbio intelectual unirão os mais remotos rincões da terra. Há pouca diferença, Tocqueville sugere, entre os europeus e seus descendentes no Novo Mundo do que havia entre certas cidades, separadas apenas por um rio, no século XIII. Desde aquele tempo, o cabo transatlântico, o avião, o rádio e a televisão, a comunicação via satélite têm acelerado fortemente esse processo de comunicação estreita entre os povos do mundo, sem, infelizmente, fazer com que seus governos sejam mais amigáveis.

A antecipação de Tocqueville sobre a futura estatura americana como uma potência mundial cresce naturalmente de um processo que ele viu em primeira mão, a construção de um continente por uma população pioneira. O que o levou a esse insight sobre a Rússia, o futuro parceiro dos Estados Unidos na dominação mundial, não está tão claro. Talvez ele tenha sido um geopolítico prematuro, reconhecendo que os enormes espaços da Rússia criavam oportunidades para uma população em crescimento que faltavam às terras quase totalmente ocupadas da Europa ocidental. De qualquer modo, mais de um século antes de Yalta e Potsdam [7], esse cientista político francês ofereceu uma sólida imagem de um mundo orientado a América e Rússia, o tipo de previsão que raramente se cumpre mais de um século depois de ter sido feita. Tocqueville também percebeu o contraste ideológico entre os sistemas russo e “anglo-americano” ao notar que o instrumento de um é a servidão, e do outro, liberdade.

À época da visita de Tocqueville, a renda per capita era desconhecida nos Estados Unidos e a taxação, em geral, leve, comparada com o que hoje é tido por certo. Ele aponta que o alto escalão do governo era frugalmente pago, de acordo com padrões europeus, mas que “enormes somas são gastas para fazer face às exigências ou para facilitar as satisfações do povo”. Ele prevê o estado vindouro das coisas na América, e registra outra de suas profecias estranhamente precisas sobre o que as futuras gerações poderiam esperar, quando escreve:

Quando os pobres dirigem os assuntos públicos e o emprego de recursos naturais, parece certo que, à medida que lucram com os gastos do estado, ficam aptos a aumentarem esse gasto.

Eu concluo, portanto, [...] que o governo democrático dos americanos não é um governo barato, como é normalmente dito. E eu não hesito em prever que, se o povo dos Estados Unidos se envolver em sérias dificuldades, sua taxação vai aumentar rapidamente ao mesmo ponto que prevalece na maior parte das aristocracias e monarquias da Europa. [8]

Teria sido impossível para qualquer um no início do século XIX prever a natureza precisa das “sérias dificuldades” nas quais o povo americano se envolveu no século XX, duas guerras mundiais e uma grande depressão, mais uma situação entre guerra e paz ao fim da Segunda Guerra Mundial. Entretanto, a previsão mantém-se profundamente correta, fortificada pela astuta observação de que, como um resultado do sufrágio universal, com mais votos à disposição dos pobres do que dos abastados, a taxação deverá assumir um caráter cada vez mais nivelador. O que, é claro, foi exatamente o que aconteceu.

Analisando as novas instituições da jovem república americana, Tocqueville concedeu importância crucial à Suprema Corte [9]. A paz, a prosperidade e a própria existência da União, ele acredita, encontram-se nas mãos de seus juízes. O presidente, que exerce um poder limitado (aqui, para ficar claro, ele talvez tenha ignorado o imenso poder inespecífico do Chefe Executivo como comandante-em-chefe), pode errar sem causar maiores problemas ao Estado. O Congresso pode decidir equivocadamente sem destruir a União, pois o Congresso está sujeito a mudança por ação dos eleitores. Mas, ele continua, “se a Suprema Corte for composta de homens imprudentes ou maus cidadãos, a União pode ser lançada na anarquia ou na guerra civil”.

Decisões recentes da Corte em assuntos tais como integração escolar, redefinição compulsória dos distritos legislativos e outras matérias, indica a possibilidade de que este corpo, quando composto por juízes inclinados a decretar o que julgam como reforma ao invés de interpretar estritamente a Constituição, possa tender, talvez inconscientemente, a assumir as funções do que o juiz Learned Hand [10] referiu como a terceira câmara legislativa, ou guardiães platônicos.

Tocqueville, ainda que não fosse um opositor da democracia em princípio e tivesse sido impressionado favoravelmente por muito do que viu nos Estados Unidos (especialmente pela tendência, arrefecida em tempos modernos, do cidadão em depender de si mesmo, ou do esforço cooperativo, e não do governo central, na condução de empreendimentos econômicos), não acreditava que a democracia estava bem qualificada para a condução de relações exteriores.

Política externa demanda escassamente quaisquer das qualidades pertencentes à democracia; e requer, ao contrário, o perfeito uso de quase todas as faculdades nas quais [a democracia] é deficiente. [...] Uma democracia é incapaz de regular os detalhes de um acordo importante, de perseverar em um intento, e de trabalhar em sua execução na presença de obstáculos sérios. Ela não pode combinar suas medidas com sigilo, e não irá esperar pacientemente por suas conseqüências. [11]

O contraste entre sucesso militar e falha política em duas guerras mundiais parece confirmar a justeza dos comentários de Tocqueville sobre a inabilidade de uma democracia em conduzir política externa com sabedoria, presciência e discrição. Quinze anos antes de os Estados Unidos lançarem-se entusiasticamente na cruzada de Woodrow Wilson [12] para “fazer o mundo seguro para a democracia”, o americano médio teria encontrado dificuldades consideráveis em definir o que foi alcançado por esse abandono grosseiro do princípio da Doutrina Monroe de que, enquanto as potências européias mantivessem suas mãos longe do continente americano, os Estados Unidos se recusariam a envolver-se nas querelas e alianças da Europa.

Obviamente, o mundo não se tornou mais seguro para a democracia; o comunismo e o fascismo foram as forças emergentes após a guerra. Os Catorze Pontos de Wilson, tomados como pré-requisitos para uma paz justa, foram tão deturpados e repudiados nos acordos pós-guerra que uma ácida piada européia representava Wilson recebendo o Prêmio Nobel de matemática – por ter feito catorze ser igual a zero.

Tecnicamente, a guerra estourou porque a guerra de submarinos alemã causou a perda de vidas americanas (quase todas no afundamento de navios aliados), ameaçou o comércio americano com a Grã-Bretanha e a França, e a segurança dos empréstimos privados a esses governos beligerantes. Mas nos anos 1930, o povo americano estava tão farto com o decepcionante resultado de sua cruzada que estava pronto e ansioso por aprovar uma legislação renunciando antecipadamente aos supostos direitos que serviram de pretexto para o envolvimento na Primeira Guerra Mundial.

Nem a subseqüente Segunda Guerra Mundial foi um testemunho convincente da habilidade democrática em fazer política externa sábia, consistente e efetivamente. Os ideais positivos desse conflito, expostos na Carta do Atlântico, foram impiedosamente pisoteados de forma ainda mais flagrante e brutal do que os Catorze Pontos de Wilson. A política externa de Roosevelt, até onde possuísse algum caráter coerente, baseava-se na assunção de que Alemanha e Japão deveriam ser despidos de todo seu poder político e militar.

Isso teria feito sentido apenas na hipótese de a União Soviética não possuir planos agressivos contra o vácuo que foi criado na Europa e na Ásia pela eliminação da Alemanha e do Japão. Mas tal hipótese era um tanto despropositada em face do histórico da Rússia como um poder expansionista no passado, agravado pela ambição ilimitada do comunismo como uma fé revolucionária mundial. Igualmente absurda e inoperante era a concepção da máquina de manutenção de paz das Nações Unidas, que só seria possível se houvesse uma estreita comunhão de interesses entre Washington e Moscou.

O postulado de Tocqueville acerca da inépcia da democracia em relações exteriores foi fortalecido por um desenvolvimento que ele notou, mas cuja visão completa não pôde conceber: as potencialidades da propaganda de guerra dos modernos meios de comunicação. Foi a ausência, no passado, de uma propaganda de guerra organizada que tornou mais fácil para os diplomatas no Congresso de Viena [13] trabalharem em um acordo de paz relativamente razoável, um acordo que não contivesse as sementes de guerras futuras.

Tocqueville previu, como duas conseqüências negativas da democracia, materialismo excessivo e um novo tipo de tirania, a opressão da maioria. Em uma de suas passagens mais brilhantes, ele descreve o incansável instinto acumulativo que encontrou nos Estados Unidos e que o impressionou mais fortemente por ser ele cidadão de um país em que as raízes ancestrais são normalmente profundas:

Um nativo dos Estados Unidos atém-se aos bens do mundo como se estivesse certo de que nunca morrerá; e ele é tão ávido por obter tudo em seu alcance que alguém poderia supor que está constantemente temeroso de não viver o bastante para aproveitar. Ele agarra tudo, não solta com facilidade, mas logo arrefece a força para obter frescas gratificações.

Nos Estados Unidos, um homem constrói uma casa para passar seus últimos anos, e a vende antes que o teto esteja pronto; ele cultiva um jardim e o deixa justo quando as árvores estão começando a crescer; ele começa a cultivar um campo e deixa a outros homens a colheita. Ele abraça uma profissão e abre mão dela. Ele se firma em um canto, do qual ele logo se vai, carregando seus pertences mutáveis para outro lugar. [...] A Morte o leva no fim, mas depois que ele está cansado da fútil perseguição àquela felicidade completa que está sempre em trânsito. [14]

Ainda mais profundamente reflexivo, e profético, é seu medo da tirania da maioria que é latente em uma democracia sem freios e contrapesos. A especial tendência nos Estados Unidos no século XX de dispensar essas medidas, eleição indireta de senadores, por exemplo, e permissão de fatores não relacionados com proporcionalidade aritmética em legislaturas estaduais, e abolição de testes de leitura para eleitores, confere uma qualidade especialmente atual às reflexões de Tocqueville nesse assunto:

Eu não poderia jamais investir voluntariamente qualquer número de concidadãos com essa autoridade ilimitada que eu recusaria a qualquer um deles. [...] Eu sou da opinião de que um poder social deve sempre ser feito para predominar sobre os outros; mas creio que a liberdade é ameaçada quando esse poder não é controlado por nenhum obstáculo que possa retardar seu curso e forçá-lo a moderar sua própria veemência.

Nenhum poder sobre a terra é tão digno de honra por si mesmo, ou de obediência reverente aos direitos que representa, que eu consentiria em admitir sua autoridade sem controle e toda-poderosa. Quando vejo que o direito e os meios de comando absoluto são conferidos a um povo ou sobre um rei, sobre uma aristocracia ou uma democracia, uma monarquia ou uma república, eu reconheço o gérmen da tirania, e me afasto rumo a uma terra de instituições mais esperançosas. [15]

Tanto o fascismo, agora obsoleto na teoria e na prática, quanto a tirania mais perene do comunismo são perversões da democracia. Ambos esses sistemas alcançam o poder pelo abuso da liberdade de expressão, imprensa e propaganda que, uma vez no poder, negam a todos os seus opositores. Seria impossível dizer com precisão que proporção dos russos aprovou o golpe bolchevique de novembro de 1917, ou quantos italianos simpatizaram com a Marcha sobre Roma de Mussolini, ou qual porcentagem de alemães corroboravam a sede de poder de Hitler. O que é certo é que nem russos, nem italianos, nem alemães tiveram nada a dizer sobre seus próprios destinos depois que as três ditaduras se estabeleceram.

Mesmo quando não há possibilidade de se criar um estado totalitário absoluto, é sinal de perigo quando uma democracia começa a desgastar os freios do funcionamento de seu poder governamental. É um dos muitos méritos de Tocqueville, como um pensador profundo e profético, ter reconhecido esse sinal de perigo num tempo em que a democracia era, no geral, um prospecto do futuro.

Na época da Segunda Guerra Mundial, houve uma obsessão, sobretudo na França, com as previsões rimadas de um astrólogo francês do século XVI chamado Nostradamus. As pessoas diziam ver em suas profecias ambíguas das coisas por vir referências precisas sobre o que estava acontecendo na Europa quatro séculos depois. A dificuldade com essa teoria era que as sentenças obscuras de Nostradamus poderiam ser interpretadas de diversas maneiras. Há muito ele saiu de moda.

Mas a alegação de que Alexis de Tocqueville pode ser considerado um grande profeta reside em um alicerce muito mais sólido. Lord Acton [16] disse a seu respeito: “Ele é sempre certo, sempre sábio e tão justo quanto Aristides [17].”[18]

O número alarmante de previsões suas que se tornaram realidade não é resultado de acidente, sortuda adivinhação ou intuição inspirada. É uma conseqüência natural de uma mente poderosa e criativa, ampliada por vasta erudição e um entendimento sensível da natureza do homem e da sociedade, projetando as lições do passado e do presente para iluminar o futuro. Sua “Democracia na América” é um dos poucos Grandes Livros verdadeiros, uma obra para ser lida e relida com renovada apreciação de seus insights e visões.


Notas:

[1] Alexis-Charles-Henri Clérel de Tocqueville (1805 – 1859) foi um historiador, pensador político e aristocrata francês. (Nota do Tradutor)

[2] Andrew Jackson (1767 – 1845) foi o sétimo presidente dos Estados Unidos da América, ocupando o cargo de 1829 a 1837. (N. T.)

[3] “Democracia na América” (Oxford University Press, 1947), pp. 218, 219. (Nota do Autor)

[4] Ibid., pp. 489-91. (N. A.)

[5] A chamada Doutrina Monroe, posta em prática pelo presidente norte-americano James Monroe (1758 – 1831), era baseada em três pontos: não-criação de colônias no continente americano; não-intervenção nos assuntos internos de países do continente; não-intervenção em conflitos dos países europeus. A expressão “América para os americanos” foi cunhada pela Doutrina Monroe. (N. T.)

[6] “Democracia na América”, pp. 242, 243. (N. A.)

[7] A Conferência de Yalta (4 a 11 de fevereiro de 1945) e a Conferência de Potsdam (entre 17 de julho e 2 de agosto de 1945) foram duas de três reuniões entre os líderes dos países Aliados (EUA, Grã-Bretanha e URSS) para a definição dos rumos finais da Segunda Guerra Mundial. A primeira dessas reuniões foi a Conferência de Teerã (28 de novembro a 1º de dezembro de 1943). (N. T.)

[8] “Democracia na América”, p. 135. (N. A.)

[9] Ibid., pp. 86, 87. (N. A.)

[10] Billings Learned Hand (1872 –1961) foi um juiz e filósofo do direito dos EUA. É um dos mais importantes juristas daquele país. (N. T.)

[11] “Democracia na América”, p. 138. (N. A.)

[12] Thomas Woodrow Wilson (1856 –1924) foi o 28º presidente dos Estados Unidos, ocupando o cargo de 1913 a 1921. Alguns especialistas em história americana, como Jonah Goldberg, consideram-no o primeiro líder fascista de fato do século XX (Cf. “Fascismo de Esquerda”, Jonah Goldberg, Ed. Record). (N. T.)

[13] O Congresso de Viena foi uma conferência realizada entre embaixadores das potências européias para a solução de diversos problemas de ordem política e militar do continente, como as Guerras Napoleônicas e a dissolução do Sacro Império Romano. Ocorreu entre setembro de 1814 e junho de 1815. (N. T.)

[14] “Democracia na América”, pp. 344, 345. (N. A.)

[15] Ibid., pp. 161, 162. (N. A.)

[16] John Emerich Edward Dalberg-Acton, 1º Barão de Acton (1834 – 1902), conhecido simplesmente como Lord Acton, foi um político, escritor e historiador inglês. É autor da famosa frase: “o poder tende a corromper; o poder absoluto corrompe absolutamente.” (N. T.)

[17] Aristides, o Justo, (535 – 468 a.C.), foi um estadista ateniense. (N. T.)

[18] Lord Acton, “Lectures on the French Revolution”, p. 357. (N. A.)



William Henry Chamberlin (1897 – 1969), jornalista e historiador americano, foi editor-assistente do jornalThe Wall Street Journal e autor de diversos livros, como “The Russian Revolution: 1917-1921” (1935) e “Collectivism: A False Utopia” (1937, disponível na íntegra, em inglês, aqui).


Publicado na revista Modern Age, nº 10, vol. 1 – Inverno 1965-1966.

Tradução: Felipe Melo, editor do blog da Juventude Conservadora da UNB.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Índio importa da China.

Índio importa da China.

Publicado por Aline Berto em O NEGÓCIO DA COISA MEDONHA-A calúnia de Gustavo Arruda

Minha fiMinha filhinha chegou da aula muito triste ontem. É que o colégio levou alguns índios, de uma tribo remanescente do interior de Pernambuco, para mostrarem a sua cultura aos alunos. E, para angariar alguns fundos com a visita, os primitivos aproveitaram para vender algumas peças de artesanato originais, das quais Belinha logo se interessou por um brinco de penas. “- Pai, depois que o cacique passou um email pelo blackberry, jurou que ele mesmo tinha feito o brinco… Mas eu vi escrito atrás: MADE IN CHINA! E na China tem índio, painho?”.

Manipulando discursos pontifícios: Bento XVI e o “casamento gay”

Manipulando discursos pontifícios: Bento XVI e o “casamento gay”

Agora a coisa ficou mais feia para os militantes gayzistas que, na esteira do deputado Jean Wyllys, passaram a última semana lançando diatribes contra o Papa Bento XVI por conta da sua posição sobre o “casamento gay”. O The Guardianafirmou (original aqui) uma coisa que já era evidente para quem quer que houvesse tido a preocupação (evidentemente negligenciada por deputados histéricos do PSOL) de ler na íntegra o discurso de Sua Santidade: na verdade, «a agência Reuters atribuiu ao Papa Bento XVI uma frase sobre o “matrimônio homossexual” que ele nunca pronunciou e o converteu em alvo de furiosos ataques sem motivo em todo mundo».

Entendamos bem. Não é que a frase divulgada seja contrária à Doutrina Católica ou ao pensamento do Papa Bento XVI; como qualquer pessoa que não seja nem um alienado e nem um farsante empenhado em distorcer o ensino da Igreja sabe, a moral católica considera os atos homossexuais intrinsecamente desordenados – de tal sorte que não podem em nenhuma hipótese ser aprovados (e nem muito menos receber a proteção civil que desejam os que advogam a favor do reconhecimento legal do “casamento gay”). O problema é o dado factual: como eu já tinha dito aqui, a frase divulgada – verbis,“Casamento gay ameaça a humanidade, diz o papa”- simplesmente não fora pronunciada por Bento XVI no discurso citado.

Podem objetar que a frase alardeada está nas entrelinhas. Sim, está, como é óbvio; afinal, afirmar que «as políticas que atentam contra a família ameaçam a dignidade humana e o próprio futuro da humanidade» é o mesmo que afirmar que o “casamento gay” ameaça o futuro da humanidade, principalmente quando se disse duas linhas atrás que a “família” da qual se está falando é «fundada sobre o matrimónio entre um homem e uma mulher». No entanto, há alguns evidentes problemas na forma como a notícia foi divulgada:

Primeiro, a crua falsidade da declaração. A sentença “Casamento gay ameaça a humanidade, diz o Papa” é simplesmente mentirosa. E, se o Papa não falou especificamente sobre o “casamento gay”, é uma mentira escandalosa dizer – como fez Reuters e foi universalmente reproduzido – que estas «[f]oram as declarações mais fortes já proferidas pelo pontífice contra o casamento homossexual». Ora, se a frase divulgada não foi sequer pronunciada, como estas podem ter sido “as declarações mais fortes já proferidas pelo pontífice” contra o “casamento homossexual”?

Segundo, o reducionismo criminoso. O “casamento gay” não é a única política que atenta contra a família. Também atentam contra a família, p.ex., o aborto e o divórcio; e, portanto, manchetes como “divórcio ameaça a humanidade, diz o Papa” ou “aborto ameaça a humanidade, diz o Papa” seriam perfeitamente equivalentes à que foi divulgada. Este reducionismo, na prática, falsifica o discurso do Papa porque faz com que a mensagem chegue aos leitores de uma maneira totalmente diferente daquela como foi proferida. Cansei de ler comentários dizendo que o Papa devia ter falado era contra o divórcio, que – este sim – ameaçava a família. Pois é, acontece que o Papa – neste mesmíssimo discurso – falou sim contra o divórcio tanto quanto falou contra o “casamento gay”. Apenas os meios de comunicação impediram a mensagem do Papa de chegar íntegra aos leitores do Brasil.

Terceiro, a injustificável (e nonsense) seletividade da ênfase empregada na veiculação da notícia. O discurso do Papa falou sobre a crise econômica e financeira mundial, sobre as tensões no Oriente Médio, sobre a educação dos jovens (e, neste contexto, a afirmação sobre as famílias), sobre o aborto, sobre as instituições educativas, sobre a liberdade religiosa, sobre a crise ecológica; ora, dar a entender que este discurso tão amplo e rico foi um pronunciamento contra o “casamento gay” é uma empulhação jornalística, é o contrário mesmo de passar a informação correta sobre o que aconteceu. Eu aprendi a resumir textos no primário. Tenho certeza absoluta de que receberia um rotundo zero o aluno que ousasse apresentar um resumo do discurso do Papa desta forma que Reuters apresentou; por qual motivo deveríamos desculpar em uma agência internacional de notícias aquilo que, sem dúvidas, os professores primários não tolerariam em seus alunos da terceira série?

No fim, a forma como o discurso do Papa foi veiculado influenciou, sim, e muito, as reações violentas que apareceram mundo afora. Se por irresponsabilidade, incompetência ou má fé dos responsáveis pela agência de notícias Reuters, eu não sei dizer; mas o fato é que este tipo de jornalismo é sem dúvidas uma ameaça ao presente da humanidade. Que cada profissional se empenhe em fazer bem o seu trabalho. Os tempos que nós atravessamos já possuem confusão demais.

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sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Por que o Estadão decidiu liderar a cruzada contra a ação da PM na Cracolândia? Não sei! Mas que, ao menos, o faça com os fatos!

Por que o Estadão decidiu liderar a cruzada contra a ação da PM na Cracolândia? Não sei! Mas que, ao menos, o faça com os fatos!


Por que o Estadão decidiu liderar a cruzada contra a ação da PM na Cracolândia? Não sei! Mas que, ao menos, o faça com os fatos!

Por que o Estadão decidiu liderar uma espécie de cruzada contra a ação da Polícia Militar na Cracolândia? Não sei! O fato é que a coisa está em curso. Agora, fico com a impressão de que tudo tem de dar errado para que a opção editorial se justifique, mesmo quando dá certo. O jornal já escreveu um editorial confuso a respeito, o que é uma pena - aquela é uma página que costuma ter idéias claras, mesmo quando se discorda delas. A tese de fundo, se pode ser resumida, é a seguinte: até que não haja as condições ideais para a polícia agir, nada pode ser feito. Imaginem se a tese valesse para todos os casos. O Brasil seria o único país do mundo sem polícia repressiva; ela seria sempre preventiva. Esse debate renderia especulações interessantes: um país que precisasse apenas de polícia preventiva seria certamente uma tirania; basta pensar um pouquinho para descobrir por quê. Mas não vou especular sobre motivações. O jornal tem o direito de fazer as suas escolhas, desde que não distorça os fatos.

O Estadão chegou a noticiar em manchete que o governo federal teria pronto um plano para interferir na cracolândia. Até mesmo as funções da Polícia Militar estariam devidamente especificadas. Engraçado! Geraldo Alckmin, governador do Estado, nunca teve acesso à proposta, tampouco a Secretaria de Justiça, a de Segurança ou a Prefeitura de São Paulo. A razão é simples: o governo federal confessou depois que, de fato, não tem plano nenhum. Aquilo só existiu, infelizmente, numa reportagem de Bruno Paes Manso - a menos que a Secretaria Nacional de Direitos Humanos tenha decidido contar seu plano primeiro ao repórter e só depois a Alckmin… Seria um furo e tanto - se existisse…

Volta à carga
Hoje, Manso, em parceria com William Cardoso, volta à carga. Reitero: cada um faça a abordagem que bem entender e pense sobre o fato o que achar melhor. Veículos de comunicação têm o direito, e até o dever, de ter uma linha editorial. A do Estadão, em muitos temas, também é a minha. MAS OS FATOS SÃO OS FATOS SÃO OS FATOS. Seguem Manso e Cardoso em vermelho; comento em azul.

O desgaste da Polícia Militar nos dez primeiros dias de operação na cracolândia levou o comando da corporação a mudar a estratégia de ação na região. Como resultado, mais de 200 consumidores voltaram no fim da tarde de ontem a se aglomerar na Rua Helvétia, a 50 metros do local que concentrava usuários antes do começo da operação. Dezenas fumavam crack ao ar livre. O comandante-geral da PM, coronel Álvaro Batista Camilo, disse que, ao contrário do que vinha ocorrendo nos primeiros dias de operação, ontem a ordem era não intervir nos aglomerados, mesmo quando estivessem bloqueando a rua.
Infelizmente, a narrativa dos dois jornalistas resolveu jogar o lead no pé, e o que vai relatado acima não corresponde aos fatos. Houve, sim, um aglomerado de viciados na cracolândia, mas tinham sido reunidos por defensores públicos, que resolveram distribuir panfletos listando os “direitos” dos viciados, organizando uma espécie de resistência à ação da polícia. Essa era a notícia. Nunca antes na história do Brasil se viu algo assim. Só por isso os viciados estavam por ali. Não havia mudança de estratégia da polícia coisa nenhuma.
Mais: Manso e Cardoso ou o Estadão - ou todos eles - parecem achar “desgastante” tudo aquilo de que não gostam. Não há desgaste nenhum! Perguntem a qualquer pessoa da rua se ela é contra ou a favor a operação na cracolândia. As ruas até podem estar erradas, mas são elas que decidem o “desgaste” de uma determinada política.

Segundo ele, como as ruas da cracolândia são estreitas e de pouco movimento, não há necessidade de intervenção urgente. “Ali é diferente das Marginais, por exemplo, onde a polícia não pode deixar de atuar se fecharem o trânsito.”
Camilo disse que o plano a partir de agora é conversar e explicar aos usuários que eles não devem impedir o trânsito. Policiais foram orientados a só agir para impedir a ação daqueles que estiverem consumindo drogas em público e prender quem estiver traficando. “São pessoas que estão fragilizadas, que têm o direito de permanecer na rua se não estiverem cometendo nenhum tipo de crime”, disse o comandante-geral.
É mais uma peça do jornalismo que merece uma investigação acadêmica. Vamos ver. A operação sempre pretendeu, olhem que estupendo!, impedir o bloqueio das ruas, inibir o consumo aberto de drogas e prender traficantes. E isso está sendo feito, como todos sabem. Os números o comprovam. Manso e Cardoso, no entanto, dizem que houve uma mudança de estratégia. Ah, é? Qual? A polícia, agora, impede o bloqueio das ruas, inibe o consumo e prende traficantes. Ah, bom!!! Há um esforço brutal para caracterizar o insucesso de uma operação que não está dado pelos fatos.

A tolerância da PM com os aglomerados acabou desinibindo o consumo. Com dezenas de pessoas consumindo crack, sem o apoio do Policiamento de Choque e sem autorização para dar tiros borracha e usar bombas de efeito moral, não havia policial que se arriscasse a entrar no meio dos dependentes à noite para fazer cessar o consumo. “Sabe como eu me senti quando vim trabalhar? Algemada”, afirmou uma policial ao Estado, reclamando dos limites impostos pelo comando.
Isso aconteceu, sim! E se deu justamente no período em que os defensores públicos lideraram “a resistência” à polícia, conforme informei aqui ontem, em primeira mão. Manso e Cardoso têm certa razão: com a PM impedida de fazer um trabalho mais firme de repressão, é claro que os consumidores se sentem mais à vontade, o que é bom para os traficantes. Sempre que, numa democracia, a polícia encontra limites para fazer seu trabalho LEGAL, quem ganha é o crime. De todo modo, não havia mudança de estratégia nenhuma. Os defensores decidiram liderar o fechamento da rua Helvétia, até que o governador Alckmin avisou: MANDARIA DESOBSTRUIR E PRONTO! Aí eles recuaram.

O agrupamento começou a crescer já por volta das 17 horas. E, pelo menos até a meia-noite, os viciados ainda não haviam sido incomodados pelos policiais. Nesse horário, era possível ver dezenas de brasas de cachimbo queimando em plena rua. E até o chamado “samba da pedra” - roda de pagode de usuários do local - já havia voltado às Ruas Dino Bueno e Barão de Piracicaba. Ao passar pelo local, um morador do bairro comentou em voz alta: “É a vitória dos noias”. Policiais assistiam a tudo de braços cruzados.
Vejam que espetáculo! Manso e o Estadão, críticos contumazes da operação, caracterizam, neste parágrafo, a polícia como omissa e derrotada.

O Estado acompanhou a reclamação feita por um motorista de táxi aos policiais de uma viatura estacionada na Rua Dino Bueno. Ele avisava que às 20 horas os consumidores de crack já haviam bloqueado a Rua Helvétia. Duas mulheres e um homem da PM ouviram a reclamação e nada fizeram.
Nas grades da antiga rodoviária, barraquinhas de lona voltaram a ser formadas para abrigar os dependentes de drogas da fina garoa que caía na noite de ontem. O clima era de festa e alguns “noias” passavam gritando, como se celebrassem o retorno ao local.
Reitero: essa manifestação ainda era parte do circo armado pelos doutores da Defensoria.

Segundo os PMs que estavam na região, era importante evitar que os dependentes voltassem aos antigos esconderijos na Dino Bueno. Já na Barão de Piracicaba, 50 metros adiante, a ordem era não intervir. “Se você me disser que há alguém fumando e fizer essa denúncia, eu vou lá e prendo”, disse um sargento da PM quando a reportagem perguntou por que eles não estavam abordando os usuários.
Sempre destacando que repórteres e jornal já se manifestaram contra a ação da polícia, que fique claro!

Motivos
Autoridades culpavam principalmente os defensores públicos pela dificuldade de atuar na cracolândia. O secretário de Segurança Pública, Antonio Ferreira Pinto, por exemplo, reclamou que grupos de defensores públicos passaram o dia incentivando consumidores de crack a permanecer no local. “Alguns são meus amigos, mas eles estão exagerando e dificultando o trabalho da PM”, criticou.
Já Camilo afirmou que no começo da tarde foi informado por policiais de que um grupo de quatro a cinco defensores havia se reunido na Helvétia para conversar com usuários de drogas. E até uma barraquinha teria sido montada para atendê-los, o que a Defensoria nega. Essa conversa com os defensores, segundo o comandante-geral da PM, pode ter sido o motivo do grande reagrupamento de viciados na rua.
Aqui serei um pouquinho mais duro: “Pode ter sido” uma ova! Foi!!! Defensores, liderados por Carlos Weis, estavam lá. Uma barraquinha “não teria sido montada” coisa nenhuma! Foi montada!!! Está tudo devidamente documentado. Lamento: o texto dos repórteres parece uma foto retocada! Repórteres e jornal têm todo o direito de achar que a operação é desastrada. Mas não têm o direito de tratar o fato como boato (a resistência dos defensores e a armação da barraca) e o boato como fato (o inexistente plano do governo federal).

A defensora pública Daniela Skromov, do Núcleo de Direitos Humanos da entidade, afirmou que defensores realmente “dialogaram” com usuários de droga. E explicaram a eles sobre direitos, incluindo o de ir e vir. Policiais também foram procurados para ouvir as mesmas explicações. “Conversamos sobre direitos. Não estamos estimulando ninguém a ficar lá”, disse ela.
Infelizmente, doutora, não é verdade! Se o seu objetivo é outro, então é o caso de conciliar intenção e gesto. Os panfletos distribuídos aos viciados são uma espécie de minimanual de resistência à polícia. Lendo-os, resta evidente a sugestão de que a polícia é uma potencial criminosa, e os viciados, apenas vítimas. O fato de o porte de droga para consumo não ser exatamente um crime não implica que o consumo esteja liberado

Hoje, a pressão sobre a atuação da PM na cracolândia deve continuar. Camilo vai ao Ministério Público conversar com os promotores que na terça-feira abriram inquérito para justamente investigar a operação policial na região.
Depois que os defensores desistiram da “resistência”, os grupos se desfizeram, embora existam sinais de que há pessoas - é preciso identificar quem são esses agentes - estimulando a “reocupação” da cracolândia por, como chamarei?, supostos viciados, que já articulam um discurso político. A polícia identificou a presença de um novo público tentando tomar conta da área. Estes seriam, deixem-me procurar as palavras, usuários de drogas conscientes!

Os traficantes aguardam ansiosamente para saber quem vai vencer a parada: a PM ou a Defensoria Pública. Adivinhem para quem eles estão torcendo.

Por Reinaldo Azevedo